7 Razões para NÃO usar o Protocolo do Beneficio Antecipado em Cirurgia Ortognática

Normalmente na correção cirúrgica de uma má oclusão esquelética a seqüência mais suportada cientificamente acontece da seguinte forma. Tratamento ortodôntico pré-cirúrgico, realização da cirurgia ortognática propriamente dita e por fim a fase ortodôntica pós-cirúrgica. Esse protocolo vem sendo realizado desde o final dos anos setenta quando a cirurgia ortognática sofreu uma grande evolução. Antes disso era comum a realização desta modalidade de cirurgia sem o tratamento ortodôntico combinado, ou seja, a cirurgia era realizada sem nenhum tipo de aparato ortodôntico na cavidade bucal. Infelizmente muitos médicos ainda fazem dessa prática até os dias de hoje, com ou sem tratamento ortodôntico após a cirurgia, e na maioria das vezes, com resultados insatisfatórios e grande recidiva, e por quê? Simples. Faltou dois dos principais pilares do sucesso. Planejamento e Estabilidade. Portanto, a necessidade de um preparo ortodôntico pré-cirúrgico foi unânime e assim permanece até os dias de hoje. Existe atualmente em diferentes locais do mundo colegas oferecendo novamente essa oportunidade de tratamento com o protocolo da cirurgia a ser realizada antes do tratamento ortodôntico, definida como “Surgery-first approach” ou “Early Surgery”, traduzindo para o português como “Protocolo da Cirurgia Antes da Ortodontia” ou protocolo da “Cirurgia Precoce”. Com a evolução dos materiais de fixação rígida dos segmentos ósseos durante o ato operatório e da capacidade de diagnostico com a tecnologia 3D, confesso que sim, ser possível em alguns casos, voltarmos a fazer como nossos colegas faziam quarenta anos atrás, porém, desta vez com melhores resultados. As principais vantagens são devolver já no inicio do tratamento o equilíbrio e estética facial almejada pelo paciente, redução do tempo total de tratamento e se beneficiar do fenômeno de movimentação dentária acelerada após a cirurgia. Mas como na vida tudo tem um por quê, vamos citar agora alguns fatores importantes que ainda podem comprometer o sucesso do Protocolo da Cirurgia Antes da Ortodontia  ou do “Benefício Antecipado” que acabou sendo o termo mais conhecido por aqui. 1 - Apenas uma Tendência. Sabemos que as variáveis do insucesso são maiores e talvez até mais significantes que os benefícios sugeridos nesse protocolo, como veremos a seguir. Para um procedimento deixar de ser uma tendência e virar realidade, ao ponto de ensinarmos em nossos cursos de pós-graduação, esse protocolo deverá ser examinado cientificamente com maior propriedade além de ser passível de ser executado pela grande maioria dos profissionais especialistas (é o caso dos brackets autoligados, mini-implantes para ancoragem e a tomografia computadorizada 3D). Se considerarmos um risco calculado de sucesso e bem estar geral do paciente, menos de 10% dos pacientes são candidatos reais para o protocolo da Cirurgia Antes da Ortodontia (sendo bem otimista). 2- Aumento da Complexidade e Risco no Tratamento. Isto significa que mesmo quando bem indicado o protocolo da “Cirurgia Antes da Ortodontia”  apresenta complexidade de tratamento superior ao tratamento convencional, fator este unânime mesmo entre os praticantes. Se a dificuldade é maior o risco de insucesso aumenta consideravelmente. Concorda? Tentar prever os resultados finais na área da saúde não é uma tarefa fácil. Estamos trocando o certo pelo incerto. Vamos também depender ainda mais da colaboração dos pacientes durante o tratamento, que todos sabemos não ver a hora de remover o aparelho ortodôntico uma vez a cirurgia realizada. Os trabalhos em cirurgia ortognática confirmam indíces elevados de estabilidade com o material de fixação interna rígida, desde que seja realizado o preparo pré-ortodôntico. A estabilidade dos resultados cirúrgicos ao longo prazo sem a fase primaria ortodôntica ainda é uma incógnita na literatura. Vamos agora para o próximo fator, a razão de ser desse protocolo. 3 - Benefíco antecipado para o paciente. Será? Somente se avaliarmos o fator “velocidade“ da melhora estética. A melhora vai acontecer com certeza, é uma questão de tempo. Tempo esse que vem reduzindo a cada dia, literalmente. A média de tratamentos ortodônticos completos hoje em dia, se considerarmos os mesmos profissionais especialistas capazes de fazer esse protocolo, com auxilio de toda tecnologia de brackets e fios, são em média 20 meses. É comum em casos ortodônticos-cirúrgicos convencionais, o paciente estar preparado para o ato operatório em poucos meses. A piora da estética da face do paciente, (quando acontecer) será por um tempo bem menor do que estávamos acostumado nos anos 90. Os casos clínicos com grande assimetrias e curvas acentuadas de Spee realmente levam mais de um ano de preparo ortodôntico, mas esses casos sabiamente não são indicados para o Beneficio Antecipado de acordo com os praticantes. Enfim, vale a pena aumentar o risco de insucesso e complexidade do tratamento e piorar o pós operatório para o paciente apenas para ganhar alguns meses de benefício estético? 4 - Aumento do Risco Operatório e Redução do conforto no Pós-operatório. Esse é um fator que os cirurgiões mais experientes devem entender melhor. Afinal, os efeitos do procedimento cirúrgico e recuperação do paciente são proporcionais ao tempo durante a cirurgia. A dependência sobre os “splints” ou goteiras (guias) cirúrgicas é total, sobre as duas, tanto para o guia intermediárias como no guia final. A oclusão deixou de ser a referência, o bloqueio maxilar assume o papel de ator principal, não de coadjuvante. A dependência sobre o aparelho ortodôntico, é ainda maior aumentando “de novo”a responsabilidade do ortodontista. É comum alguns colegas solicitar ainda a colocação de mini-placas para ancoragem ortodôntica, realmente uma vantagem clínica significante para o pós-operatório, porém, de novo, consumo maior de tempo e dinheiro. A remoção dos terceiros molares no mesmo ato operatório aumenta o tempo de cirurgia e o risco de complicação e fratura mandibular. A permanência do guia cirúrgico de resina acrílica fixo nos arcos dentários é obrigatório por período de 3 a 4 semanas. Somente quem usou um guia como esse sabe o quanto ele dificulta a adaptação dos tecidos moles e lingua, afinal a quantidade de edema e hematoma com certeza também vai ser maior depois dessas intervenções.  E a dificuldade de higiene com as goteiras cirúrgicas fixas na boca e o risco maior de infecção? Vocês concordam que as mini-placas podem causar desconforto e irritação local e deverão ser removidas em mais um momento cirúrgico ? Vocês já devem estar convencidos e ainda estamos na metade do texto. 5- Diminuição do tempo de tratamento. Discutível. Técnica ortodôntica, antes ou depois da cirurgia é um componente indiferente e está mais relacionado com a habilidade profissional do que ao “momento” da cirurgia. Transformar uma má oclusão de Classe III em Classe II ou vice-versa, não me parece uma manobra eficiente e tão vantajosa. Se beneficiar  do aumento do movimento celular da região sim é uma verdade comprovada cientificamente, o processo de movimentação dentária é mais eficiente até 4 meses após a cirurgia. Considerando que o paciente ficará com o guia cirúrgico em média 1 mês, a “boa fase” para supostamente ganhar “tempo” são de apenas três meses. Sinceramente, sabemos que três meses de maior eficiência não vai adiantar muito no tempo total de tratamento. 6 - Set-up Virtual. Você tem um “scanner”de modelos na sua Clinica? Não. Nem eu. Então temos que tercerizar esse serviço. Você solicita tomografia computadorizada para todos os casos? Não. Nem eu. Com qual frequência você faz planejamentos com softwares 3D? Mesmo lançando mão da prototipagem, caso prefira, essa modalidade de diagnóstico ainda exige uma curva grande de aprendizagem e experimentos. O domínio total da técnica é fundamental, ou você quer colocar mais um risco no “seu” tratamento ortodôntico-cirúrgico? 7- Aumento do Custo. Não estou me referindo ao custo mental e "stress" e sim financeiro. Compra e colocação de mini-placas, remoção das mesmas, digitalização de modelos ortodônticos, tomografias 3D, prototipagem, etc. Sim eles vão aumentar o custo do tratamento para o paciente, ou diminuir sua lucratividade. Você decide, alguém vai pagar por isso. Acredito que nesse momento você está ciente que existe muitos fatores para serem discutidos e apresentados para seus clientes, ou por que não para seus colegas de trabalho e até alunos. Colocar no nome do protocolo uma suposta vantagem de “Beneficio Antecipado” desperta uma avaliação mais profunda. Seria como, batizarmos a Tratamento com Brackets Autoligados como a técnica do “Tratamento mais Rápido” que todos nós sabemos não ser uma realidade para todos os casos. Nesse protocolo da Cirurgia antes da Ortodontia ou Surgery-First, o postulado se reaplica. Sim funciona, porém para um número restrito de profissionais e pacientes, uma tendência ainda a ser investigada. Mas para falar a verdade eu até usaria o termo Benefício Antecipado, mas adicionaria mais duas palavras no final, Benefíco Antecipado “para Cirurgiões”, que sem dúvida nenhuma, até o momento, são os maiores beneficiados desta modalidade de tratamento. Estes sabiamente  executam seu papel conforme solicitado. O objetivo desse texto não é criticar um setor da educação ou favorecer outro e sim alertar os especialistas do ramo que toda moeda tem dois lados e a discussão sadia é sempre bem vinda para o crescimento profissional. Concluindo, não sou contra esse protocolo, pelo contrário, sou clinico e professor. Minha linha de pesquisa envolve investigações nas áreas de Cirurgia Ortognática, Crescimento Crânio-Facial, Biomecânica e Gestão de Servicos. Apesar de inúmeras desvantagens desse protocolo e uma reduzida quantidade de profissionais no mundo trabalhando com ele (ainda) vejo a Cirurgia Antes da Ortodontia, com  bons olhos, não pela inovação técnica pois não existe nenhuma revolução, porém, novos caminhos são necessários para evolução da especialidade, admiro colegas que se aventuram nessas descobertas, nós precisamos de mais profissionais desse tipo, torço para que esse procedimento seja a cada dia aprimorado e possamos um dia oferecer de rotina aos nossos pacientes. Precisamos de novidades para serem testadas e discutidas somente assim valorizaremos nossa real pratica ortodôntica. Invista seu precioso tempo em oportunidades de tratamentos que realmente podem acrescentar em larga escala os resultados e eficiência dos tratamentos gerando um beneficio mútuo para você e seus pacientes. Pense nisso.

 

Prof Dr Adriano Marotta Araujo 


Professor na Disciplina de Ortodontia Unesp São José dos Campos, SP e Ortodontista responsável pela Residência e Equipe de Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial Dr Antenor Araujo.